Amizade: etnia, classe, cultura e história.
Hoje, estive imersa, ou melhor, submersa o mais profundo possível na escrita da minha tese, mais propriamente, em meu prólogo: escrita que ferve e potente. Da escrita desse prólogo surtem várias questões, atravessamentos. São brutos, intensos, são meus e de tantos outros brasileiro que são produtos de um projeto liberal de embranquecer a população negra e indígena. Mas, hoje, aqui, debruçar-me-ei a pensar sobre a amizade, análogo também a esse exercício da escrita de um prólogo, mas, que não cabe nas linhas de uma tese. Nem sempre a vida, em sua mais genuína existência, cabe em páginas e meandros de uma tese. Dirão-me: mas é claro, sua escrita se dá, ou, constitui-se em um campo científico no qual não tem espaço para o Eu. Talvez, seja este o propósito deste blog: transpassar às escritas acadêmicas. A escrita é algo forte para mim, que ferve; que a partir dela eu possa compreender melhor o mundo e, por conseguinte, a mim mesma. Que eu não tenha medo desse exercício tão profícuo que é a escrita, profunda, atenta e que leva em conta o outro. Ao ter clareza do outro, compreendo a mim mesma. Compreendo por mundo, aqui, genericamente, as vidas e os fatores sociais, políticos, filosóficos e históricos que as atravessam e, seus desdobramentos. São vidas que importam!
Dos meandros da vida, a amizade. Perdoem-me por começar assim! Sei de seus afetos alegres, mas, das desventuras e amarguras que nascem das relações. Talvez, aqui, deixarei o leitor deste blog, invadir-me e, é claro, que às impressões e análises que trago são subjetivas e, muitas vezes, imersas às realidades profundas que só fazem parte da minha forma de interpretar o mundo. Talvez, eu tenha uma forma inócua, rasa, e cega de sentir o mundo. Ou, talvez, eu queira muito mais do que as pessoas podem oferecer. Seria um desejar-se a si mesmo? Quem sabe! Mesmo assim, colocar-me-ei a pensar sobre a questão, a amizade. Um tema que tanto perturba! Assim, penso eu, e coloco aqui uma questão: amizade tem cor? Como a população negra e parda (colocação do IBGE) consolidam suas amizades com os seus e com os brancos? É forte, é! Mas, há questões que devem ser refletidas. Não pretendo, em hipótese alguma, sanar todas as questões em relação a este tema. Longe disso! É mais um exercício de compreensão de si mesma e do outro. Perdoem-me pelo excesso do advérbio de dúvida - talvez.
Desde a tenra idade, minha mãe dizia, um tanto amarga: "Karina amizade não existe". Tentando fugir dessas sabedorias, contestava-a, veemente! De alguma forma, a meu ver, eu não sei se ela tinha por total razão, mas, ainda latente esta frase, debruço-me a pensar aqui. Minha mãe: mulher negra, de feição brava, poucas palavras, estudada até o ensino fundamental, nunca pode contar com muitas ajudas, a não ser com "os seus", expressão utilizada quando nos referimos às pessoas que ocupam o mesmo lugar social e étnico. Isto é, minha mãe contava com a ajuda somente das mulheres de sua família, que, aos seus olhos, talvez pela dureza de ver a vida, também não eram valorizadas por ela. Não ensinaram às mulheres pretas a se amarem. Mas, mesmo assim, temos o nosso próprio lugar de saber, e oferecemos o nosso amor de uma forma não colonizada, porém, às vezes, também expressa de forma vazia, como se tivessem tirado algo de nós- um analfabetismo emocional. Sim, o amor também é ensinado. E que amor chega à essa população? É desse lugar que penso sobre amizade, depois de 31 anos. Não nos ensinaram a nos amar. Nossos corpos, por ora, são prisões! Mesmo sabendo que faço parte de todo processo de branquemento e eugenista do Brasil, sei o lugar no qual ocupo nesta sociedade.
Na infância e adolescência, boa parte de meus amigos vieram dos bancos das escolas públicas. Minha adolescência ficou marcada por mulheres fortes. Tínhamos muito em comum. Muitas dessas amigas não pude levar comigo, por imaturidade, ou, por egoísmo. Digo, muitas que compreendiam o meu lugar social, político e étnico Não ensinaram mulheres negras a se amarem. Eramos grandes, vinhamos de lugares com demandas nossas. Mas, claro, que de alguma forma, eu também tinha amizades com pessoas que eram de uma classe social diferente da minha. Eram pessoas que falam bem, não eram analfabetas, por vezes, tiravam "sarro" da minha escrita e fala perniciosa. Hoje, percebo, que eu fazia um esforço imenso em tentar penetrar essas esferas. Elas, as que vinham de bancos das escolas particulares, que nunca precisaram trabalhar antes da universidade, que não eram arrimo de família, tinham um lugar, eu não tinha, eu ocupava um "não-lugar". Nos nossos discursos, enquanto prática e linguagem, era possível perceber as incongruências . Por ser negra da pele clara, às vezes, eu era aceita, às vezes, nem tanto. O típico jargão: "branca demais para ser negra, e negra demais para ser branca." Das minhas amigas que de alguma forma me consolidaram, as dos bancos das escolas públicas, hoje, infelizmente, não trago nenhuma comigo. Sei que de alguma forma impulsionei algumas a estudar, mas, outras, não conseguiram caminhar comigo, porém, mesmo assim, hoje, são pessoas profundas e eloquentes. Essa bolha social é impenetrável. Na Universidade, lugar que, majoritariamente, é ocupado por pessoas brancas, ousei-me, por alguns segundos, sentir-me igual. Doce ilusão, talvez, ilusão de uma boa pisciana. Sofri muitas violências simbólicas, injúrias raciais, dentre outras coisas. A universidade pública e particular não são lugares para pessoas pobres, esta é a primeira questão que nos acomete ao entrarmos nesses lugares impenetráveis. E caso você entre, seus esforços terão que ser maiores do que aqueles que são bem aceitos e não levam demandas do seu lugar social precário. Mas, isso é papo para outra hora. Ou melhor, isto é história para um outro post. Aqui, hoje, finalizo esta reflexão e escrita que ferve com os seguintes questionamentos: quem foram às manas que chegaram comigo? Eu as impulsionei? Somos boas para consolar dores de mulheres brancas, classe média, mas, essas mulheres se deslocam de seus lugares e consolam às nossas dores? Será, que de alguma forma, eu não estava imersa na síndrome da "Dona Florinda" e, por isso, e tantas outras coisas, hoje, chego pensativa em relação às amizades com pessoas de classe social diferentes da minha e, consequentemente, de origem étnica, cultural... E, sim, amizades têm cor, classe, cultura e história. Não é por benção divina, nem por bondade humana. Consolidamos nossas relações por questões históricas, sociais, políticas, filosófica... Espero, mais adiante, voltar a este assunto, a amizade. Obrigada pela atenção!
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